25 de novembro de 2008

O Enfoque Sócio-Histórico-Cultural Nas Dificuldades de Aprendizagem

1. Interação e aprendizagem
Estamos ‘mergulhados’ num mundo de coisas que nem sempre nos dizem algo, assim, aprender também é envolver-se, sair da indiferença, ou seja, é um movimento profundamente afetivo, através do qual o sujeito apossa-se do objeto de conhecimento. Também pode-se dizer que é um movimento afetivo, porque “o caminho do objeto até a criança e desta até o objeto passa através de outra pessoa” (VYGOTSKY, 1991, p.33). Assim sendo, no processo de ensino-aprendizagem é indispensável que se estimulem os relacionamentos e se tenha o diálogo como estratégia, para que se desencadeiem reflexões, confrontações, conclusões, enfim, aconteça a aprendizagem. Segundo a perspectiva teórica histórico-cultural, que expressa as idéias de Vygotsky, pode-se dizer que ser desprovido da interação social impede o homem de tornar-se humano e desenvolver-se como tal, porque a atividade consciente do homem não está ligada unicamente à questão do desenvolvimento biológico. Assim, “escutar não significa ouvir e enxergar nem sempre é ver”, é preciso que os órgãos dos sentidos passem por um processo de humanização. Conforme Vygotsky (1991, p.33), “essa estrutura humana complexa é produto de um processo de desenvolvimento profundamente enraizado nas ligações entre história individual e história social”. Nascemos com mecanismos ou funções psicológicas (percepção, memória, atenção, capacidade para solucionar problemas), que vão se transformando e constituindo devido à influência cultural ou “imersão cultural”. Assim sendo, nessa perspectiva, é essencial a mediação, por se considerar que através das relações sociais e participação em atividades e práticas culturais o ser humano apropria-se das ‘coisas’ pertencentes ao meio. A aprendizagem realiza-se então, pela mediação do “outro” e não apenas pela interação com o “objeto de conhecimento”, como na perspectiva construtivista. Como já comentado antes, as experiências com processos de ensino que eu tinha, eram as referentes ao ensino tradicional e construtivismo, que eu acreditava, até entrar na faculdade, ser o “melhor”. Embora tanto as idéias de Vygotsky (1991) como de Jean Piaget (1975) (consideradas na teoria construtivista), tenham caráter interacionista há, no entanto, grandes diferenças na maneira de conceber o processo de desenvolvimento, diferenças essas que, quando conheci, fizeram-me refletir e posicionar-me de outra maneira em relação à minha prática pedagógica. Resumidamente, quanto a essas diferenças quero destacar: - O enfoque dos fatores internos no processo de desenvolvimento em Piaget (maturação biológica) e, externos em Vygotsky (ambiente social); assim, no primeiro enfoque a construção do conhecimento procede do individual para o social e, no segundo o contrário, do social para o individual. - Em relação à linguagem e pensamento, para Vygotsky (1991) são interdependentes desde o início da vida, sendo o pensamento favorecido no seu desenvolvimento pela linguagem. Para Piaget (1975), o pensamento aparece antes da linguagem, sendo assim, ela não favorece o seu desenvolvimento. - Quanto a aprendizagem, Piaget acredita que ela subordina-se ao desenvolvimento e tem pouco impacto sobre ele, o que minimiza o papel da interação social. Em Vygotsky, o desenvolvimento e a aprendizagem são processos que se influenciam reciprocamente. Dessa forma, considerando que a aprendizagem gera desenvolvimento, o papel do professor não é simplesmente facilitar a aprendizagem, organizando o meio favoravelmente para que ela ocorra, mas é intervir de forma oportuna, ensinando aquilo que a criança é incapaz de descobrir por si, o que não tira da criança a possibilidade de explorar e interagir. Assim, a escola é o lugar onde a intervenção pedagógica intencional desencadeia o processo ensino-aprendizagem, sendo o objeto dessa intervenção a construção de conceitos. Nessas condições, vale lembrar que a relação professor-aluno deve ser de proximidade pois, para intervir de forma oportuna, o professor precisa conhecer bem esse aluno, para saber que intervenções ele necessita para poder progredir no seu desenvolvimento. Faz-se necessária então, uma atenção especial de forma que não haja o desprezo da criança com suas idéias e sentimentos, para que não ocorra o que diz a citação: A díade adulto-criança não estabelece em nossas sociedades atuais uma interação. Nesta relação unívoca, o adulto desempenha o papel emissor, aquele que ensina, e a criança, o papel de receptor, aquele que aprende. (ROSEMBERG, 1976, p.1466) Conforme a citação, nós adultos, temos a tendência de não ouvir a criança, nos comportamos como se elas fossem desprovidas de uma experiência pessoal, de uma história de vida (ainda que curta). Enfim, quando nos aproximamos e nos dirigimos a ela, geralmente desconsideramos que tenham algo a partilhar, que pensam, que sentem, vamos impondo ‘coisas’ e ‘despejando’ nelas informações, ordens, como se elas precisassem somente disso. Temos atitudes que fazem prevalecer “o desrespeito à cultura da criança, chegando mesmo a inibição da sua manifestação” (MARCELLINO, 1990, p.54). Nesse sentido, é preciso um novo olhar na direção dessa criança, que vá além da aparência. Porque, se nos determos naquilo que ela aparenta, a idéia de fragilidade e incapacidade talvez nos domine, impedindo a valorização da “potencialidade” nela presente. Incorremos também no erro do “adultocentrismo”, olhando de cima as crianças, e não na altura dos seus olhos, ou seja, evitamos olhá-las nos olhos e deixamos de ver o mundo que se apresentava à sua altura. Não estaremos sofrendo de uma espécie de historiocentrismo, deixando-nos tomar por uma visão inútil porque afogada nos problemas cotidianos imediatos? Aprender com as crianças pode ajudar a compreender o valor da imaginação, da arte, da dimensão lúdica, da poesia, de pensar adiante. Entender que as crianças tem um olhar crítico que vira pelo avesso a ordem das coisas, que subverte-o sentido de uma história, que muda a direção de certas situações, exige que possamos conhecer nossas crianças, o que fazem, de que brincam, como inventam, de que falam. E que possam falar mais... (BASÍLIO e KRAMER, 2003, p.105 e 106). Outra postura comum dos adultos que precisa ser corrigida, gira em torno do “futuro das crianças”. Normalmente, há a preocupação na família e na escola em “preparar a criança para a vida”, numa atitude de desconsideração dela mesma e do seu presente. Acabamos por roubar dela o direito que tem de deixar desabrochar a sua identidade, lhe impondo a identidade que queremos para ela. Isso expressa a desconsideração da sua individualidade, uma maneira de relacionar-se onde não há uma interação correta que favoreça o aproveitamento daquilo que ela já é, como ponto de partida para favorecer o seu desenvolvimento.
BIBLIOGRAFIA
1. BASÍLIO, Luís C. & KRAMER, Sônia. Infância, Educação e Direitos Humanos. São Paulo: Cortez, 2003.
2. MARCELLINO, Nelson C. Pedagogía da animação. Campinas, SP: Papirus, 1990.
3. PIAGET, Jean. A Epistemologia Genética e Problemas de Psicologia Genética. Os Pensadores – História das grandes idéias do mundo ocidental. São Paulo: Abril S.A.Cultural e Industrial, 1975.
4. ROSEMBERG, Fulvia. Educação: para quem? Ciência e Cultura, nº 28, dezembro de 1976.
5. VYGOTSKY, Lev S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

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