25 de novembro de 2008

A ESCOLA COMO MEIO DE CONSERVAÇÃO SOCIAL

Na sociedade moderna do final do século XX e início do XXI, a partir da escolarização universal, onde todos tem acesso à escola, surge uma contradição, pois, de acordo com LAGE (2008), ao mesmo tempo em que a escola instituiu a “cultura certificada” tornando-a o novo capital (BOURDIEU, 1996), possibilitando assim o acesso à democratização social, também permitiu que se formassem hierarquias sociais fundadas nas lógicas da distinção e da reprodução social. A educação formal se tornou um recurso social disputado, na medida em que se tornou um instrumento legítimo de conservação social e um princípio considerado adequado para o estabelecimento de hierarquias. Por meio da escola pode-se distinguir os níveis educacionais alcançados bem, como a instituição cursada possibilitando, em alguns casos de sucesso escolar, uma chance maior de se alcançar uma mobilidade social ascendente. Bourdieu (1999) em seu clássico estudo sobre a escola conservadora demonstra, a partir do caso francês, que o sistema escolar é um dos fatores mais eficazes de conservação social ao tornar legítima a reprodução dos valores que fundamentam a ordem social. Segundo LAGE (2008), um dos principais questionamentos de Bourdieu (1999) refere-se não só as desigualdades de acesso à escola, mas também às desigualdades produzidas na escola, que acabam por determinar a eliminação contínua das crianças oriundas das classes desfavorecidas. Desse modo, pode-se achar uma argumentação do texto de Nogueira & Nogueira, que afirma que Bourdieu enfatiza que a sociedade produz, e a escola reproduz, uma oposição entre dois modos diferentes que os indivíduos apresentam, de acordo com sua origem social, de se relacionar com o mundo da cultura. Assim, o primeiro modo, define-se por uma relação de tipo aristocrático, que próprio dos dominantes. O segundo modo, do tipo dos dominados, que é definida por uma relação de tipo popular, caracterizada pela estranheza e pelo embaraço. Na obra bourdieusista, o mais importante é modo pelo qual a cultura foi adquirida: por familiarização insensível, caso dos agentes socialmente privilegiados, ou por inculcação escolar, no caso dos agentes sociais desfavorecidos. Trata-se aqui e dois modos aquisição de cultura: o aprendizado total, precoce, efetuado no seio da família, e o tardio, pela ação pedagógica. A escola também reproduziria, segundo Nogueira & Nogueira, a seu modo, a distinção entre os modos básicos de relacionamento com a cultura: o primeiro, desvalorizado, expresso pelo aluno esforçado, estudioso e aplicado, e um segundo, valorizado, representado pelo aluno brilhante, talentoso e precoce, que atende às exigências da escola sem um esforço grande. Dessa forma, o sistema de ensino, segundo Bourdieu, consagraria o segundo tipo. Assim, encontra-se uma contradição no funcionamento do sistema escolar, ou seja, ao mesmo tempo em que a escola valoriza a relação “cultivada” com o saber, menosprezando a relação escolar com o saber e classifica como inferior o servilismo escolar do bom aluno excessivamente aplicado. Já o texto de Ana Paula Hey e Afrânio Mendes Catani, mostra que Bourdieu questionou que, como pequenos grupos de indivíduos conseguem se apoderar dos meios de dominação. Para ele, compreender o mundo converte-se em instrumento de libertação. A partir de uma definição de cultura, Bourdieu mostra que a dominação cultural se expressa na fórmula segunda a qual cada posição na hierarquia social corresponde a uma cultura especifica, distinta. Temos que a cultura é central no processo de dominação, através da imposição de sua cultura às classes subalternas. Aqui o sistema de ensino desempenha um papel importante nessa dominação cultural. Hey e Catani continuam o dossiê tratando da escola como reprodutora da dominação, onde começa dizendo que a função do sistema de ensino é servir de instrumento de legitimação das desigualdades sociais. Aqui a escola é conservadora e mantém a dominação dos dominantes sobre as classes populares, reforçando as desigualdades sociais. A apropriação do autor pelo campo educacional brasileiro ocorre de forma mais incisiva no uso das noções desvinculadas de sua epistemologia. Enfim, Bourdieu nos ensina que toda prática humana encontra-se imersa em uma ordem social. Também segundo LAGE (2008), ao refletirmos sobre o caso brasileiro, já que Bourdieu estudo o modelo francês, pode-se perceber que o nosso sistema de ensino caracterizou-se por uma rápida expansão nos últimos anos, em todos os níveis. De acordo com Silva (2003), numa análise da estratificação educacional brasileira atual, o ensino fundamental alcançou uma universalização do acesso das crianças de 7 a 14 anos, já que 97% delas estão matriculadas. Continuando com LAGE (2008), temos que algumas destas barreiras foram descobertas por RIBEIRO (1991), que identificou um estranho fenômeno, no sistema educacional brasileiro, capaz de impedir o avanço dos estudantes em seus percursos escolares através de uma prática denominada de “pedagogia da repetência”. A prática da repetência apresenta um componente cultural e foi incorporada de tal modo à nossa filosofia de ensino que passamos a considerá-la natural. Aqui faz-se necessário uma breve digressão sobre a chamada pedagogia da repetência. O texto de BARRETO, vem mostrar a relação entre os ciclos e progressão continuada, pode ser vista nas iniciativas de adoção do regime de ciclos escolares ensaiadas até a década de 70 tiveram como referencia o sistema de avanços progressivos adotado nas escolas básicas dos Estados Unidos e da Inglaterra. Também, por sua vez, a implantação na década de 60 correspondia à intenção de regularizar o fluxo de alunos ao longo da escolarização, eliminando ou limitando a repetência. Por sua vez, a progressão continuada, tem como pressuposto a eliminação da repetência, que é o mecanismo que vem trazer a conservação social. Dessa forma, com fracasso dos ciclos e progressão continuada no Brasil, mostrado no texto de BARRETO, a escola acaba atuando como fim propiciador de mecanismos de reprodução social, como também de mobilidade educacional e social, impedindo a possibilidade de grande partes dos nossos alunos romperem com a lógica de uma escola “conservadora”, e almejarem uma posição superior na hierarquia social, conforme nos diz LAGE (2008). Outro fator citado no texto de Nogueira & Nogueira, é a relação entre currículo e avaliação, onde ao sublimar que o saber escolar está associado à cultura dominante, Bourdieu abre portas para uma análise crítica do currículo. Dessa forma, encontramos no pensamento de Bourdieu a tese da estratificação dos saberes escolares, estabelecendo uma hierarquia entre as disciplinas, que vai das canônicas (mais valorizadas) até as disciplinas marginais (desvalorizadas), passando pelas disciplinas secundárias. Desse modo, a escola coloca no topo as disciplinas mais teóricas e abstratas, que exigem habilidades “não escolares”, que só podem ser plenamente adquiridas fora da escola; e rebaixa as disciplinas de natureza mais práticas, que podem ser dominadas a partir do esforço escolar. O trabalho de Bourdieu deixou também um legado crítico, importante, sobretudo porque desvelou a função social da avaliação, que se disfarça sob as aparências de sua função técnica. Nessa pesquisa foi formulada a tese de que a avaliação escolar representa, antes de tudo, um mecanismo de transformação da herança cultura em capital escolar. Assim, a avaliação iria mais além do que verificar a aprendizagem, constituindo-se na prática, num verdadeiro julgamento social, baseados implicitamente na maior ou distância do aluno em relação às atitudes e comportamentos valorizados pelas classes dominantes, reforçando a conservação social. Por último, a análise de Plínio Cavalcante e Manuela M. M. S. David, onde começam enfatizando que a matemática escolar ultrapassa as visões de Chevallar e de Chervel, pois o matemático trabalha com altos níveis de abstrações e generalidades, e já o professor de matemática trabalha dentro de um contexto educativo, com formas alternativas e acessíveis aos alunos. Baseado nisso, é citado Sfard (1991), que relaciona os aspectos operacionais e estruturais dos conceitos, o que, como visto acima, estão de acordo com Bourdieu, já que a escola valoriza os saberes mais abstratos, adquiridos fora da escola. Citando um artigo de Vinner (1991), o autor diz que a simples exposição do indivíduo à definição rigorosa não é suficiente para provocar uma re-organização ou reestruturação, pois “a definição cria um sério problema para o aprendizado da matemática.” Enfim, pode-se concluir que os argumentos de Bourdieu são endossados por diversos autores, acabando por comprovar que a escola é poderoso meio de conservação social.
BIBLIOGRAFIA
· Bourdieu, Pierre « Pour un mouvement social européen », Le Monde Diplomatique, juin 1999. · Bourdieu, Pierre « Analyse d'un passage à l'antenne », Le Monde Diplomatique, avril 1996. · CHERVEL, A. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Teoria & Educação, n.2, p.177-229, 1990. · CHEVALLARD, Y. La Transposición Didáctica: del saber sabio al saber enseñado. Buenos Aires: Aique, 1991. · RIBEIRO, S. C. A Pedagogia da Repetência. Estudos Avançados, USP, v. 5, nº12, p. 7-18, 1991. · SILVA, N. V. Expansão escolar e estratificação educacional no Brasil. In: Hasenbalg, C. e Silva, N. V. Origens e destinos: desigualdades sociais ao longo da vida. Rio de Janeiro: Topbooks, p. 105-146, 2003.Lage, Gisele Carino. A mobilidade é possível num modelo de escola conservadora? Um estudo de caso etnográfico sobre o desempenho escolar e o acesso ao ensino

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